Você não é mais o essencial

       

    Você percebe o quanto as coisas mudaram dentro de você quando os lugares que você costumava ir ou pessoas que entraram na sua rotina já não te afetam mais por não estarem ali o tempo todo presentes. E foi assim que eu percebi, naquele sábado, sozinha no meu quarto ouvindo uma playlist dos hits de 2004 no Spotify, que eu havia mudado de verdade. Não bastava as blusas que ficavam cada vez menores, as folhas do meu caderno que já chegavam ao fim ou todas essas situações que nos fazem perceber que o tempo passou, e passou rápido, mas também pude perceber isso ao me olhar no espelho e ver que todas as mágoas e emoções vividas por meus recatados 24 anos estavam bem ali,à mostra, desde as cicatrizes em meus joelhos de quando eu era completamente estabanada até meu vício em roer unhas que peguei logo após entrar no ensino médio. Estava tudo ali, e se olhasse por um pouco mais de tempo, poderia enxergar as cicatrizes de todos os amores que martelaram minha alma.
   Sempre tive a necessidade de gerar um apego muito forte nas minhas relações, seja elas com minhas amigas, namorados ou até com a minha família. Sempre achei que se perdesse qualquer um deles minha vida estaria arruinada, até que meu primeiro namorado me disse que havia encontrado alguém melhor do que eu, foi aí que eu tive certeza de que minha vida estava acabada. Isso aos 14 anos, a melhor época da adolescência, a qual sentimos os sentimentos mais intensos a tempo todo. Ele foi embora naquela tarde de setembro, e eu fiquei com a cara no chão esperando que ele voltasse, acreditava dentro de mim que algum dia ele voltaria, acreditei nisso por muito tempo, e enquanto isso creio eu que o mesmo garoto estaria salivando em outras bocas por aí. Era tão difícil ter que entender isso, perceber que o amor da minha vida não era mais o amor da minha vida, e sim de outra, e outra, e outra... Até que esbarrei com um par de olhos cor de mel cujo dono me apaixonei, por alguns segundos achei que estava maluca pois o amor da minha vida eu havia conhecido e estava com outra, entretanto, percebi que poderia surgir um segundo amor da minha vida. Aquele típico amor de verão, alguns meses de apego intenso, algumas experiências pelas quais nunca havia vivido, e ele me deixou para voltar à sua cidade natal. Dessa vez eu tinha certeza de que minha vida estava definitivamente acabada, afinal, foi muita sorte minha encontrar o SEGUNDO amor da minha vida, em nenhum filme aconteceu isso, eu era a felizarda escolhida para presentear esse fato, um verdadeiro milagre.
      Chorei por noites e noites, não conseguia entender como aos 16 anos eu perdi as únicas pessoas que poderiam me amar e a partir daquele momento eu ficaria sozinha com 27 gatos e dois cachorros. Alguns meses se passaram e aquela cicatriz fechou-se. Lembrava as vezes do que teria acontecido e chorava, mas não durava mais do que míseros dez minutos, eu realmente havia aprendido como superar um coração partido.
       Dois anos depois conheci o terceiro amor da minha vida, só que desta vez eu sabia que aquele seria o amor da minha vida enquanto estivesse comigo, isso não significava que não encontraria alguém depois e que esse alguém não me faria tão bem quanto o último, e pra ser sincera, talvez ele fosse me fazer melhor. A questão é que enquanto eu acreditava nessa história de que só um homem iria mexer com o meu coração pelo resto da minha vida, enquanto eu me apegava as pessoas meu mundo era extremamente pequeno e fechado. O mundo é tão grande e infelizmente eu me prendi a esse pensamento que os contos de fadas conduziram pelas gerações. Eu realmente não precisava ter aquele cabelo da Cinderela, aquele corpo da Bela Adormecida e sem dúvidas não precisava ser delicada como nenhuma delas para algum príncipe me amar, na verdade, eu não precisava de príncipe nenhum para ter o meu final feliz, ele é apenas mais uma das coisas boas que eu poderia somar em minha vida, e se ele não estivesse me fazendo bem não seria o cara certo e ponto, bora pra próxima, problema resolvido. Ufa, foi tão difícil perceber isso mas mais cedo ou mais tarde eu teria que cair na real.
     Eu me atraí cada vez mais por ele, e todas as aventuras que vivia me faziam um bem danado. Ele embalou um ritmo em minha vida completamente diferente. Aquele fogo que acendia a cada beijo me deixava com desejos tão intensos, até que rolou, eu me apaixonei de vez. Entregar-se para alguém assim de cara tem lá tem seus pontos positivos, entretanto, eu já sabia que se acontecesse algum desvio em nosso intenso amor e ele chegasse ao fim eu estaria sem chão novamente. Anos e anos passaram-se e aquela mesma faísca que acendia repentinamente apagou e caiu na rotina, porém o mesmo amor que estava apagando era o mesmo que me prendia, estava confortável demais para abandonar o relacionamento e ter, depois de praticamente cinco anos, começar tudo do zero. Era muito arriscado e ele já tinha feito tantas coisas boas que não queria abandoná-lo assim, desse jeito não. Empurrar o relacionamento com a barriga no começo é mais fácil do que parece, toda via a tendência é não durar muito tempo, e quando percebi estava ali, no mesmo quarto no qual passamos por nossas diversas emoções, alergias, e tristezas, e estava prestes a dar um fim naquilo tudo, não dava mais. Eu não era a única de saco cheio, ele me entendia também.
    E foi naquela noite de segunda-feira, no friozinho do inverno de Santa Catarina, que eu o vi partir para todo o sempre, e o melhor de tudo isso é que eu estava completamente confiante com a minha decisão. Lá estava eu, ciente de que aquele foi só um dos muitos caras que entraram em meu coração, e agora eu poderia permitir quem iria entrar ou não nele, mas pra ser sincera, eu não queria ter ninguém e provavelmente teria essa ideia em mente por um bom tempo, estava bem sozinha, estava bem comigo, ele não era mais o essencial, eu era.



Um comentário:

  1. Gostei. Um texto sobre o autoconhecimento e bem narrado. A autora tem fôlego e mantém o leitor interessado. Final feliz. Afinal, o que melhor do que vivermos bem conosco mesmas?

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